quinta-feira, 16 de junho de 2011

PSICOLOGIA TRANSPESSOAL E ESPIRITUALIDADE


No estudo da natureza deve-se considerar cada coisa isoladamente, assim como o todo. Nada está dentro, nada está fora; porque o que está dentro também está fora.
Assim, é preciso ir em frente e tentar captar o Sagrado Segredo universalmente visível. Goethe Freud, ao lhe perguntarem certa vez sobre o que pensava que uma pessoa normal estava habilitada a fazer bem, responde:  “Amar e trabalhar”. O amor significando a síntese dos gozos da generosidade e da potência orgástica, e o trabalho significando a produção sem perda do gesto amoroso (ERIKSON, 1976). Ao amor e trabalho, Reich acrescenta o saber:  “Amor, trabalho e sabersão as fontes de nossa existência. Deverão regê-la também”. O saber significando a conscientização, o tornar-se lúcido (REICH, 1980).
Hoje, um olhar contemporâneo evidencia para a Psicologia o aspecto transpessoal  e algo ressoa além:  amar, trabalhar, saber e transcender. Além do corpo, da inteligência e da emoção, tornou-se possível falar da experiência de transcendência dentro de um referencial teórico no campo da Psicologia. Mais do que falar, a vivência da transcendência,  da espiritualidade e a sacralização do cotidiano passam a ser considerados como caminhos de auto-conhecimento, de transformação, de realização, de equilíbrio e de integração. Apesar de ser considerada atual,  a Psicologia Transpessoal tem uma trajetória histórica que vem sendo construída desde o século 19. Ela reúne um conjunto de conhecimentos advindos de várias concepções teóricas e práticas, encontradas em William James, Freud, Jung, Reich, Carl Rogers, Abraham Maslow, Jacov Levy Moreno, Victor Frankl, Ken Wilber, Stanislav Grof, Pierre Weil, Jean-Yves Leloup e outros (SALDANHA, 2008). Para Abraham Maslow, a Psicologia Transpessoal é considerada a quarta força entre as correntes de estudo psicológico, sendo a primeira o Behaviorismo, a segunda a Psicanálise e a terceira o Humanismo (SALDANHA, 2008). Há, em vários autores da Psicologia Transpessoal, um reconhecimento da importância da teoria psicanalítica na análise e compreensão do psiquismo; no entanto, ressalta-se o fato de que Freud ao deter-se muito mais na doença e na miséria humana, deixou uma lacuna a ser preenchida por um outro olhar que pudesse considerar os aspectos mais saudáveis e valorosos da vida (SALDANHA, 2008). Abraham Maslow foi um dos autores que mais ênfase deu à observação e aos estudos desses aspectos positivos. Formulou conceitos como “autoatualização” relacionado com o reconhecimento e o uso das potencialidades, dos talentos, das capacidades para o caminho da transformação que, como características inerentes do ser humano, de certa maneira vão sendo inibidas e amortecidas no transcorrer da história de vida; redescobri-las e reconhecer defesas que distorcem a auto-imagem é atitude básica para o bom desenvolvimento da pessoa. Para Maslow, os mecanismos de defesa são fortes pedimentos internos para o crescimento e, além daqueles que foram definidos pela teoria psicanalítica, ele acrescentou dois outros, a dessacralização e o complexo de Jonas - constituídos por influências negativas de experiências passadas, a partir das quais decorrem comportamentos improdutivos, medos, estagnações e inflexibilidades  (FADIMAN & FRAGER, 2002; SALDANHA, 2008). Estas idéias serão retomados no segundo capítulo como pontos de reflexão, de reconhecimento e de entendimento dos possíveis obstáculos à evolução pessoal, social e da humanidade como um todo.   A seguir, como fundamentos desta reflexão   são destacados três temas principais da Psicologia Transpessoal, assinalando-se também algumas referências psicanalíticas, ou seja: o  processo terciário, o princípio da transcendência e a espiritualidade; o mapa da consciência; e o conceito de ego. 

 O processo terciário, o princípio da transcendência e a espiritualidade.
  Segundo a teoria freudiana, há dois princípios que regem o funcionamento mental: o princípio do prazer e o princípio da realidade. No principio do prazer a atividade psíquica, no seu conjunto, tem por objetivo evitar desprazer e proporcionar prazer. No princípio da realidade a procura da satisfação se faz por caminhos mais tortuosos, pois se impõe um componente regulador que adia o resultado em função das condições impostas pelo mundo exterior. Esses princípios têm correspondência com outro conceito freudiano, ainda sobre os modos de funcionamento mental, ou seja, o processo primário e o processo secundário. No processo primário as energias psíquicas fluem livremente sem encontrar barreiras, seguindo as leis que regem o inconsciente e o princípio do prazer; no processo secundário, as energias psíquicas estão mais presas, circulam de forma mais compacta e, com significações e representações, operam ligadas ao princípio da realidade e determinam uma lógica de pensamento (LAPLANCHE e PONTALIS, 1979; ZIMERMAN, 2001). 
Para a Transpessoal, no entanto, dentro de sua perspectiva de considerar todo o manancial positivo que a alma humana traz e que incorpora em sua trajetória evolutiva, existe algo além, algo que possibilita um reencantamento do mundo, a emergência de valores benéficos, o redespertar da confiança, a ocorrência do desejo mais profundo que é o florescimento do Ser – algo que se realiza através do que é denominado processo terciário e que se relaciona com o princípio da transcendência (SALDANHA, 2008).
O processo terciário é definido como um conjunto de referenciais inerentes ao desenvolvimento do ser humano que favorece o despertar da dimensão espiritual, propiciando a atualização experiencial de valores positivos, saudáveis, curativos, tanto
individual como coletivo, caracterizando um processo regido pelo princípio da transcendência (SALDANHA, 2008, p. 144).
Pensar a transcendência, segundo Leonardo Boff, é perceber o ser humano como um projeto ilimitado, que possui uma dimensão de abertura, um desejo de ir além, de romper limites, de exercer sua liberdade criativa e sua capacidade de vôo (BOFF, 2000).
Como teólogo, pensador humanista e pessoa corajosa e destemida, ele faz críticas à idéia preconizada por algumas religiões que afirmam que lá em cima está Deus, o Céu, os santos e a transcendência, e aqui em baixo fica a imanência, como estado permanente de limitação do humano: proposição esta que nos coloca em dicotomias, em polaridades. Na verdade, imanência e transcendência “não são aspectos inteiramente distintos, mas dimensões de uma única realidade que somos nós” (BOFF, 2000, p.26). 
Leonardo Boff  remete-nos à metáfora do enraizamento e abertura:
Primeiramente nos sentimos seres enraizados. Temos raiz, como uma árvore. E a raiz nos limita, porque nascemos numa determinada família, numa língua específica, com um capital limitado de inteligência, de afetividade, de amorosidade. (...) Mas somos simultaneamente seres de abertura. Ninguém segura os pensamentos, ninguém amarra as emoções. (...) Então, possuímos essa dimensão de abertura, de romper barreiras, de superar obstaculos, de ir para além de todos os limites. É isso que chamamos de transcendência. Essa é uma estrutura de base do ser humano (BOFF, 2000, p. 27-28).
Há, ainda, uma ponderação importante que Leonardo Boff nos apresenta: trata-se de identificarmos em nosso meio as “pseudotranscendências”, ou seja, as idolatrias criadas pelos meios de comunicação de massa, as religiões que constroem transcendências artificiais, as drogas etc. Para sabermos se a transcendência é legitima necessitamos observar o que ela potencializa em nós: amplia nossa liberdade? Nos dá mais energia para os confrontos? Nos torna mais generosos, compassivos, solidários? Pois aí está um bom parâmetro para a verdadeira transcendência: uma experiência fecunda, que cure nosso lado doentio, que nos torne essencialmente humanos (BOFF, 2000).
A transcendência é esclarecedora, promove auto-conhecimento, indica direção evolutiva e desvela força espiritual. É integradora e relaciona-se com uma expressão saudável do ser (SALDANHA, 2008). 

Boof, L - Espiritualidade 

Publicado por: Maria da Graça Carvalho

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