quarta-feira, 25 de maio de 2011

Os Medos em relação à doença e à morte (Hennezel, M. 2000)

Um doente em fase terminal apresenta vários tipos de medos:
ü  Medo da dor e do sofrimento:
Este medo está ligado à perda do conforto, dos prazeres e bem-estar. A compensação será de buscar outros prazeres e formas de bem-estar. Para lidar com o medo da dor, podemos informar o doente sobre a parte médica dos cuidados paliativos, no que diz respeito ao controlo da dor. Lidamos com o medo do sofrimento através do nosso acompanhamento psicológico e espiritual.
ü  Medo da solidão, da separação, do abandono:
Este medo está ligado à perda do papel social, profissional e familiar. Para lidar com esta perda, devemos envolver o doente nas preocupações diárias, para evitar o sentimento de exclusão e abandono.
Isto é diferente de “unfinished business”. Significa que cada dia me sinto em dia com aqueles que amo. Se eles morrem, é claro que fico triste, mas sei que disse e fiz tudo o que queria fazer com eles. Palavras de amor nunca são demais. Nós ouvimos muitas vezes: “se soubesse que ele ia morrer, tinha dito isto, ou aquilo....” . Uma pessoa à beira da morte pode ter este medo aumentado, se não se sentir em dia com os seus mais queridos. No entanto, apesar de não se tratar da mesma coisa que “unfinished business”, devemos fazer o possível para que o doente possa terminar tarefas inacabadas: pois, por vezes, não se deixam morrer, porque se lembram de que há coisas que faltam ser feitas.
ü  Medo do desconhecido:
Este medo está ligado à perda de referências da vida (casa, terra, comunicação verbal etc. ..). Devemos permitir a pessoa de falar da sua vida, casa, terra, passado etc. É claro que isso trás nostalgia, mas o benefício que vem com essa partilha é maior, porque alarga os horizontes e dá sentido à vida. Cada vez que aceitamos ir em frente para o desconhecido, desenvolvemos a nossa aceitação e praticamos para o grande desconhecido: a morte. Como não podemos conhecer o desconhecido, só podemos aprender a deixar ir – let go.
O medo do desconhecido no doente em fim de vida tem a ver com o progresso da sua doença e o que se vai passar depois da morte, Encontramos isto mais nos idosos, devido à cultura. Muitos idosos têm medo do inferno. Nos jovens, e doentes com SIDA, este tipo de medo não é tão frequente. A noção do inferno e purgatório não está actualmente tão presente nos jovens. A serenidade antes de morrer depende também de como a pessoa viveu a sua vida. Muitas vezes surge o sentimento de culpa, e eles têm necessidade de contar a alguém qualquer coisa que lhes é demasiado pesado para carregarem sozinhos. Nessa altura, é muito importante ouvir sem julgar e de reparar também na sua história, o que há de positivo nela. Podemos dizer “Se o teu coração te condena, Deus é maior que o teu coração”.
ü  Medo de ser sepultado vivo:
Apesar de parecer algo cómico, este medo é bastante presente hoje em dia e tem origem nas histórias de pessoas que foram enterradas e ao desenterrar os ossos, anos mais tarde, percebeu-se pela posição dos ossos e arranhadelas no caixão, de que tinham sido enterrados vivos. Com as tecnologias hoje é muito pouco provável que ainda aconteça! No entanto, os medos nem sempre são racionais e persistem. Podemos eliminar este medo deixando escrito o que queremos acerca da nossa morte: por exemplo, ser cremado ou esperar 2 ou 3 dias antes de ser sepultado.
ü  Sentimento de culpa e impotência:
Sentimento de culpa: Este sentimento está ligado à zanga connosco próprios. Quando alguém que amamos vai morrer, podemos sentir-nos zangados: “porque me vais abandonar”? Mas a razão diz-nos que não podemos estar zangados, e então sentimos culpa de pensar em nós. Mas como não estamos conscientes do processo, arranjamos qualquer coisa para sentir-nos culpados de não ter feito tudo, de não ter amado o suficiente, de ficar vivo, de não ter sido capaz de...
Uma das culpas que ficam mais é de não ter estado lá quando o outro morreu. É preciso explicar à família que o doente “escolheu” o momento da morte e muitas vezes escolhe morrer sozinho porque é mais fácil: não tem de lidar com o sofrimento do outro. Também é preciso explicar que quanto mais o doente ama o familiar, mais precisa de amar um estranho para partilhar o amor para poder cortar o cordão com o amado. Amar outra pessoa ajuda a esquecer as memórias do passado com a mulher (por ex.) e permite-lhe desligar-se dela.
Sentimento de impotência: Este sentimento está ligado à perda de controlo da situação, da doença e sentir-se um fardo (as vezes devido à dedicação extrema dos cuidadores). Para combater este sentimento, podemos encorajar a família a continuar a incluir o doente na vida diária se ele quiser, mas respeitar também a sua vontade (por exemplo no que diz respeito às visitas, vontade de comer, ou de falar).
ü  Medo de ser julgado ou de perder a dignidade:
Este medo está ligado à perda da independência, da imagem e da identidade. Podemos ajudar o outro a tocar uma outra beleza, (interior) para reconhecer o seu SER interior.
É um dos medos mais frequentes, e é esse medo que está na base do pedido de eutanásia, ou da decisão do doente de se deixar morrer. É o medo de perder a dignidade. Apesar de a dignidade ser inerente ao facto de sermos humanos, nem sempre o doente se SENTE digno. O sentimento de dignidade depende do olhar do outro, de como cuidamos deles. Mesmo que a pessoa esteja fisicamente degradada ou mutilada, é preciso continuar a olhá-la como sendo uma totalidade, não esquecendo que a sua parte afectiva está intacta. De certa forma, isto pode contribuir para que ela continue a sentir-se na sua pele e não ter a sensação e o medo da decadência. Normalmente a doença atinge a parte física e intelectual da pessoa, e são logo estes dois domínios que a nossa sociedade mais valoriza. Mas o espiritual e o afectivo ficam intactos até ao fim da vida. Então, se não é possível valorizar o intelecto e o físico, podemos valorizar os outros dois.
Com o doente, é bom ter cuidados de beleza no início, mas não nos últimos dias, porque não lhe ajuda a desapegar-se desta vida. Normalmente é o próprio doente que se desprende e diz que não quer mais. Cuidar da beleza do outro é a forma de lhe dizer que é uma pessoa VIVA. Uma pessoa em fim de vida é uma pessoa viva, com as mesmas necessidades que nós.
ü  Arrependimento do que não foi feito ou terminado:
Este medo está ligado à perda de ilusões e esperança. Podemos ajudar a pessoa a reconhecer a Vida maior: ao falar da sua vida anterior, a pessoa pode vir a perceber a sua contribuição a uma Vida Maior – que faz parte duma teia muito maior. Este medo está ligado á falta de tempo que sentem para viver. É uma altura em que o acompanhante pode ajudar a pessoa a encontrar um sentido para a sua vida, olhando para trás e compreendendo como tudo o que fez até hoje faz sentido na sua vida como um todo, e onde pode olhar para desejos futuros do doente e como poderá concretizá-los de forma realista, tentando perceber o que está por trás de tal desejo o sonho.
ü  Medo de morrer em circunstâncias negativas:
Este medo está ligado à perda de sentido e de controlo do fim. Não podemos escolher o fim ou controlar tudo, mas é possível, apesar disso de sentir que a nossa vida teve sentido. Viktor Frankl, um homem que perdeu toda a sua família nos campos de concentração disse, no seu livro “O Sentido da Vida e Logoterapia” que TUDO faz sentido.
O medo de morrer em circunstâncias negativas pode ser, por exemplo, “como é que isto se vai passar: tenho medo de me sufocar”. Alguém com experiência de ver pessoas morrer pode sentar-se e explicar que na maioria das vezes, a morte é muito simples: a pessoa pára de respirar como uma vela que se apaga, mas explica que também há o risco de morrer com mais violência, por exemplo, por asfixia, ou de hemorragia. Nestes casos, os doentes sabem que isto lhes pode acontecer a eles, e ficam muito angustiados e é essencial que o médico lhes transmite a confiança de que o vai aliviar imediatamente. No entanto, quando alguém está a morrer nesse preciso instante, é mais importante ficar lá, do que sair do quarto para ir buscar ajuda.
Marie de Hennezel, numa das suas formações relatou que fizeram uma experiência na unidade de cuidados paliativos onde trabalhava. Dizia às pessoas que estavam com medo da forma como iriam morrer, de pedir a quem acreditassem, a maneira como gostaria de morrer, e que em 84% das vezes, acontecia. Contar isso aos doentes pode tranquilizá-los.


Informação retirada do Manual da Amara, de Julho de 2010

Postado por: Cátia Simões 

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