terça-feira, 24 de maio de 2011

Carregar o passado

“A incapacidade, ou melhor, a relutância de a mente humana abandonar o passado é maravilhosamente ilustrada na história de dois monges Zen, Tanzan e Ekido, que caminhavam ao longo de uma estrada em terra batida, que tinha ficado completamente enlameada depois de umas fortes chuvadas. Perto de uma aldeia, depararam-se com uma rapariga que queria atravessar a estrada, mas a lama era tanta que teria arruinado o quimono de seda que trazia vestido. Tanzan prontificou-se a pegar nela ao colo e transportou-a para o outro lado.
Os monges prosseguiram o seu caminho em silêncio. Cinco horas mais tarde, quando se aproximavam do templo onde estavam instalados, Ekido não se conseguiu conter mais e perguntou: “Porque levaste aquela rapariga ao colo para o outro dado da estrada?” “ Os monges não devem fazer esse tipo de coisas.”
“Eu deixei a rapariga lá há várias horas”, respondeu Tanzan. “Ainda estás com ela ao colo?”
Agora imagine como seria a vida de alguém que é sempre como Ekido, incapaz de abandonar internamente as situações, ou reticente em fazê-lo, acumulando cada vez mais “tralha” dentro de si, e poderá ter uma ideia de como é a vida para a maioria das pessoas no nosso planeta. Que pesado fardo do passado carregam nas suas mentes!
O passado continua vivo dentro de nós através das memórias, mas as memórias em si não constituem um problema. Na realidade, é através delas que aprendemos com o passado e com os erros do passado. Só quando as memórias, ou seja, os pensamentos sobre o passado nos dominam por completo é que se transformam num fardo, se tornam problemáticas e passam a fazer parte da nossa noção de identidade. A nossa personalidade, que é condicionada pelo passado, transforma-se então numa prisão. As nossas memórias estão imbuídas de uma noção de identidade, e a nossa história converte-se na pessoa que julgamos ser. Este “pequeno eu” é uma ilusão que encobre a nossa verdadeira identidade, a Presença intemporal e informe.
Contudo, a nossa história não consiste apenas na memória mental, mas também na memória emocional – antigas emoções que são permanentemente revividas. Como no caso do monge, que carregou o fardo do seu ressentimento durante cinco horas, alimentando-o com os seus pensamentos, a maior parte das pessoas carrega uma enorme quantidade de bagagem desnecessária, tanto mental como emocional, ao longo da sua vida. As pessoas limitam-se a si próprias através das mágoas, arrependimentos, hostilidade, culpa. O seu pensamento emocional tornou-se a sua identidade e, por isso, ficam presas às antigas emoções, visto que estas fortalecem a sua identidade.
Devido à tendência humana para perpetuar antigas emoçõs, quase todas as pessoas carregam no seu campo energético uma acumulação de dor emocional antiga, que se designa por “corpo de dor”.
Porém, podemos parar de acrescentar coisas ao corpo de dor que já possuimos. Podemos aprender a quebrar o hábito de acumular e perpetuar antigas emoções batendo as nossas asas, metaforicamente falando, e abstendo-nos de viver mentalmente no passado, quer algo se tenha passado ontem quer há trinta anos. Podemos aprender a não manter as situações ou os acontecimentos vivos nas nossas mentes, mas a voltar a focar a nossa atenção continuamente no momento presente primitivo e intemporal, em vez de estarmos presos aos filmes que elaboramos mentalmente. Então, é a nossa própria Presença que se torna a nossa identidade, m vez dos nossos pensamentos e emoções.
Nada do que possa ter acontecido no passado nos pode impedir de estarmos prsentes agora; e se o passado não nos pode impedir de estarmos presentes agora, que poder tem ele?”

Bibliografia
Tolle, Eckhart. Um mundo novo – Despertar para a Essência da Vida. 2.ª Edição. Editora Pergaminho. Lisboa. 2009

Postado por: Clara Isabel Monteiro

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