quinta-feira, 7 de julho de 2011

Descobre o Xamã que há em ti.

“Vários aspectos importantes do xamanismo são de grande relevância para o conceito de emergência espiritual. Muitos xamãs são lançados em suas carreiras de curandeiros através de um episódio notável de tumulto emocional e psicossomático que em geral atinge proporções que a psiquiatria ocidental consideraria psicóticas. Todavia, o futuro xamã emerge da crise com um estado de saúde aperfeiçoado e como uma pessoa absolutamente normal.” (Grof; Grof,1990, p.154)

“A doença é um chamado à auto-realização, ao autodesenvolvimento e, em casos extremos - como o mostra a narrativa a seguir -, constitui uma variedade da iniciação xamânica.
Os estágios importantes da vida da pessoa têm vínculos com períodos de purificação interior, de modo que o indivíduo, estando adequadamente preparado e com um estado de espírito não distorcido, livre dos processos de pensamento e lembranças costumeiras, possa progredir, chegando a uma existência nova e sem sobrecargas. Essa purificação pode assumir muitas formas: manifestações puramente físicas, como o vômito, a transpiração, o jejum, a dor, a febre e a limpeza do corpo com água, ou o intenso isolamento psíquico, durante o qual a memória da constituição do ego é exibida; a exaustão extrema, que destrói o funcionamento regular do organismo e da psique; e a doença real, que traz à tona obstáculos e impurezas interiores e que, na verdade, os expulsa, produzindo assim uma sensibilidade aumentada ao processo de ser - sensibilidade que permite ao xamã, em última análise, o diagnóstico e a cura das enfermidades alheias.” (Grof; Grof, p.113)

“Esse processo é válido por sua natureza pura de cura e transformação em potencial. Porém, muitos materiais psicológicos vêm à tona oriundos de vários níveis do inconsciente que interferem nas obrigações diárias da pessoa envolvida. Assim, não é a natureza ou o conteúdo dessas experiências que as fazem parecer patológicas, mas seu contexto. ” (Grof; Grof,1990, p.51)
"Contudo, observamos que o conteúdo dessas experiências parece incluir-se em três categorias principais. O primeiro grupo envolve experiências intimamente vinculadas com a história de vida da pessoa e é conhecido como categoria biográfica. A segunda categoria gira em torno da questão da morte e do renascimento; sua estreita ligação com o trauma do nascimento biológico garante a esse grupo a denominação perinatal. A terceira categoria ultrapassa em muito os limites da experiência humana comum e tem uma íntima relação com o inconsciente coletivo junguiano; damos-lhe o nome de experiências transpessoais porque elas envolvem imagens e motivos que parecem originar-se fora da história pessoal do indivíduo.
Portanto, num estado transpessoal, não diferenciamos entre o mundo da "realidade consensual", ou mundo cotidiano contemporâneo, e o reino mitológico de formas arquetípicas.
Na prática, mais importante do que a autenticidade das informações obtidas em estados transpessoais, é o seu notável potencial terapêutico e transformador. Muitas dificuldades emocionais e psicológicas são causadas por lembranças reprimidas ou esquecidas de eventos traumáticos da história de vida.” (Grof; Grof, p.25)




“Os componentes mais problemáticos e alarmantes comumente enfrentados pelas pessoas em emergência espiritual são: sentimentos de medo, sensação de solidão, experiências de loucura e preocupação com a morte. Ainda que esses estados mentais sejam repetidamente intrínsecos, necessários e partes essenciais do processo de cura, eles podem tornar-se assustadores e superpoderosos, principalmente quando a pessoa carece de apoio.” (Grof; Grof, 1990, p.64)
“A tarefa mais importante é fornecer à pessoa em crise um contexto positivo para suas experiências e informações suficientes sobre o processo pelo qual ela passa. É essencial que a pessoa afaste da mente o conceito de doença e reconheça a natureza curativa da sua crise. Podem ser muito valiosos o acesso à boa literatura sobre o tema e a oportunidade de conversar com pessoas que compreendem, em especial com aquelas que passaram com sucesso por uma crise semelhante.
Uma vez que se inicie o trabalho terapêutico, é importante que o facilitador e a pessoa em crise partilhem certos conceitos básicos. Eles devem concordar que as dificuldades não são manifestações de enfermidade, mas de um processo de cura e de transformação. Devem aceitar todas as experiências que surgirem - biográficas, perinatais e transpessoais - como constituintes normais da psique humana. Devem concordar que a condição não é patológica per se, embora possa ser extremamente inconveniente e imprópria em condições de vida comuns. O confronto com essas experiências incomuns tem de ser limitado, o máximo possível, a situações em que não crie problemas e em que haja apoio.” (Grof; Grof, p.245)



“Dentre as técnicas suaves que facilitam e aceleram o processo de transformação, há vários tipos de meditação, de meditação com movimento, canto grupal e outras formas de prática espiritual. Uma abordagem mais radical consiste em criar situações em que a pessoa possa mergulhar em si mesma, de preferência por meio da música, e dar plena expressão a emoções e a energias físicas emergentes - por meio do choro, do grito, do sacudir ou dos movimentos corporais plenos -, seguindo a trajetória natural do processo. O trabalho com os sonhos, a dança expressiva, o desenho e a pintura, bem como a manutenção de um diário, também podem ajudar a assimilação das experiências interiores. As energias físicas e emocionais perturbadoras também podem ser dissipadas em várias atividades físicas, tais como o trabalho manual árduo, a natação ou o jogging.
Para desacelerar o processo, interrompe-se temporariamente a meditação e todas as outras formas de prática espiritual. A mudança da dieta costuma ser bastante eficaz; a passagem de uma dieta vegetariana para alimentos mais pesados, incluindo carne e queijo, bem como bebidas com mel ou açúcar, tem uma grande influência nesse retorno à realidade. Um banho quente e o trabalho manual simples em casa ou no jardim também podem ajudar. Se se identificarem situações que tendam a ativar o processo, devem-se evitá-las nesse momento, se for possível. Para algumas pessoas, isso pode ser situações sociais complexas ou áreas com multidões; para outras, música alta e a ruidosa atmosfera das grandes cidades, ou até um tipo específico de vibração, como o ronco das turbinas de um jato. Em situações especialmente importantes, pode ser necessário usar tranqüilizantes mais brandos.” (Grof; Grof, p.248)

“O'Hara (1983), num de seus momentos de simpatia pela perspectiva transpessoal, em seu artigo A Consciência do Terapeuta, defende a superioridade do modelo de pessoa para pessoa em psicoterapia, no qual o terapeuta abandona a segurança do conhecido, as defesas, a posição de expert e, admitindo que este ser diante de nós é tão completamente único e misterioso como nós somos, é uma pessoa (p.99), entra na relação como um colaborador, envolvendo-se integralmente na vivência de crescimento e descoberta, numa atitude que a autora alude metaforicamente como um entrar na dança da vida com o cliente. Descrevendo o processo que crê ser desencadeado por tal tipo de atitude terapêutica, e para o qual propõe a exploração de um espectro de experiência humana que inclua o transpessoal (Devemos confrontar os limites da natureza humana, do mais profano ao mais sacro, do transcendente ao trivial, p. 99), O'Hara afirma a qualidade espiritual do estado de consciência experimentado nos momentos culminantes do encontro terapeuta-cliente.” (Júnior, 1996, p.142)
“Desde meados da década de 50, quando Rogers (1957) apresentou sua descrição das Condições necessárias e suficientes da mudança terapêutica da personalidade três atitudes são propostas como síntese deste modo de ser que enseja a facilitação: consideração positiva incondicional, compreensão empática e congruência.” (Júnior, 1996, p.133)
“…a ACP (Abordagem Centrada na Pessoa), de uma maneira não intencionada e ainda pouco esclarecida, tem se mostrado uma terapia capaz de favorecer a emergência de vivências transpessoais e espirituais em seus clientes, e que tais vivências, ao menos potencialmente, mostram-se bastante promissoras como elemento propiciador de crescimento e transformação psicológica, estando muitas vezes tipicamente ligadas, na visão dos autores examinados, a casos bem sucedidos ou a momentos culminantes do processo terapêutico, individual ou grupal.” (Júnior, 1996, p.137)


BIBLIOGRAFIA:

Grof, S.; Grof, C., Emergência espiritual. Editora Cultrix
Grof, S.; Grof, C. (1990), A tempestuosa busca do ser. Editora Cultrix
Júnior, E. (1996), Transcentrando: tornar-se transpessoal. São Paulo: Universidade de São Paulo - Instituto de Psicologia

Postado por Sandro Coelho

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